domingo, 13 de outubro de 2013

Mudanças

      Era tanto a se fazer, tantas coisas que ela ainda não resolvera. No fundo ela estava assustada, colocava um pouco de expectativa em cada caixa que fechava.
       Foi então que encontrou, no fundo da gaveta de documentos, uma chave, e logo sua memória começou a ferver com tudo que ela havia vivido em menos de dois anos.
       Aquela chave era de uma casa que nem existe mais, era a casa onde sua mãe morava. Doeu lembrar de sua primeira mudança. Deixou a cidade em que cresceu, deixando ainda  pessoas que ela amava muito. Ficou para trás sua mãe, seu irmão, sobrinha, seus amigos, seu noivado e toda comodidade de se estar segura num esquema, que mesmo que não estivesse indo bem, ainda oferecia muletas para que ela se apoiasse.
      Sentiu que ia chorar.
      Segurou forte a chave entre os dedos e lembrou de como era viver uma vida fosca, se recordou do tanto que se anulou para que o noivado, fadado desde sempre ao fracasso, fosse um pouco mais adiante. Pessoa na luta travada em busca de trabalho digno, lembrou da indústria que a espremeu, teceu, fiou e nunca pagou a ela o que lhe era de direito. Sentiu a dor da injustiça.
       Quase conseguiu ouvir a voz de sua mãe dizendo que a vida não era justa e que ela, se quisesse vencer, teria que lutar bravamente. A mãe alegara isto a noite, numa noite onde ela escolheu mentir dizendo que não tinha fome. Só assim convenceu à mãe de comer o único pão que tinha. Ela lembrou a dor da fome.
        Aquela fome fez nascer o desejo de mudanças e assim aconteceu. Ela lembrou do que fez para comprar sua passagem pra uma nova oportunidade. Foi manicure, maquiadora, confeiteira, cantora, animadora de festa infantil... E assim ela riu, achou ridículo aquilo tudo mas também acreditou ser admirável a capacidade de empenho que tinha.
       Guardou a chave em uma caixa, achou que seria bom se lembrar de vez em quando de tudo que viveu.
        Sua vida na cidade nova não tinha sido lá muito fácil, mas aqui a moça contou com ajuda de alguns estranhos e familiares, pessoas que a recepcionaram deixando-a mais segura.
         Se desiludiu, chorou, a humilhação foi frequente no trabalho mas sua resiliência a fez vitoriosa. Suportando cada dia, sonhando melhores dias cada vez mais, buscou como um animal busca por sua presa uma oportunidade. E ela veio!
         Professora sim senhor, se realizou, estava então fechando um ciclo que pensou que jamais fecharia. Que mudança em sua vida. Ali, Deus provou que ela era capaz.
         Uma oportunidade aqui, outra ali, voltou a estudar, se permitiu gostar de uma outra pessoa, se permitiu  desgostar de outras e entendeu que todo este aprendizado a formou outra mulher.
        Seu sorriso, olhar, cabelos, estilo, tudo nela indicava a transformação profunda que sofreu. Largou tudo, olhou no espelho e quase não se reconheceu.
        Ela estava a dar mais uma passo, ia morar só. Parou, pensou e sorriu. Sentiu medo e achou bom se sentir assim, achou ainda dentro dela a menina que sabe que confiança excessiva é o primeiro passo para o fracasso. Fechou sua última caixa colocando suas esperanças dentro.